sábado, 30 de abril de 2011

Pérolas da Mitologia - A Mais Antiga das Regras




Filho de Poseidon, Anqueu era um dos tripulantes daquele navio dos argonautas que empreendia a lendária viagem de Jasão em busca do velocino de ouro. Quando o timoneiro Tifis morreu inesperadamente, Aqueu foi escolhido para assumir aquele posto, pois, sendo filho do deus do mar, conhecia melhor do ninguém os mistérios da marés e das estrelas do firmamento. Assim foi que o navio Argos voltou da distante Cólquida em segurança, assumindo para sempre um lugar de destaque na galeria dos mitos imortais.

Anqueu retornou ao seu reino em Samos quando a vindima estava sendo concluída, e os enólogos do palácio deram-lhe a boa notícia que a parreira plantada por ele antes de partir, tinha produzido abundante safra e o primeiro vinho feito com ela estava pronto para ser bebido.

Para Anqueu era uma notícia especial, pois permitiria desfazer uma estranha maldição de um servo seu que, revoltado com o árduo trabalho do plantio, predisse que ele não viveria o bastante para provar o produto daquele vinhedo. Agora o vinho estava ali, na taça cheia que lhe estenderam. Com um sorriso triunfante, Anqueu ergueu-a para apreciar o belo tom sanguíneo da bebida. Depois apreciou o aroma quase selvagem daquele vinho, que lhe recordou as encostas ensolaradas de sua ilha. Então, antes de beber, mandou trazerem à sua presença aquele servo que o amaldiçoara.

“Olha, disse ele, vou engolir a tua profecia junto com este vinho” ao que o servo retrucou:

“Senhor, da taça até a boca, muita coisa pode acontecer”.

Naquele instante entrou um agricultor esbaforido gritando que um grande javali estava destruindo as plantações. Sem hesitar, Anqueu depôs a taça na mesa, apanhou sua lança e precipitou-se ao encontro do javali, para morrer minutos depois, com a femural seccionada pela presa afiada daquele animal.

Porque paraste, Anqueu? Porque trazer o escravo? Porque ir combater aquele animal? Sabias ler as estrelas e conhecias os mistérios do mar, mas ignoraste a mais antiga das regras: quando a vida encher nossa taça, bebamos. Quando essa rara bebida está servida, não é hora de acertar velhas contas nem se preocupar com os negócios. É bebê-la ou perdê-la para sempre, levando para a morte a tortura de nunca mais saber que gosto ela teria na boca.