sexta-feira, 27 de maio de 2011

Pérolas da Mitologia - Devemos Domar a Fera



Os antigos gregos, mais sábios, diziam que não se deve tentar enganar os deuses porque a vingança deles será terrível. Uma prova disso é o que aconteceu com o lendário Minos, rei de Creta. Ele prometera ao deus dos mares, Posêidon, que sacrificaria cada ano, em sua homenagem, o melhor touro de seu rebanho. Assim fazia, até que, num determinado ano, o melhor touro era tão magnífico que Minos resolveu sacrificar outro em seu lugar, imaginando que o deus não perceberia a troca. Posêidon ficou tão furioso que castigou Minos de uma maneira impensável: fez a rainha enlouquecer de paixão por aquele touro, que a cobriu e emprenhou como se fosse uma simples novilha. Daquela espantosa união nasceu um ser monstruoso chamado Minotauro, cujo corpo era humano mas a cabeça era bovina, a revelar para todos o obsceno adultério da rainha.

Para esconder aquela vergonha, o rei Minos fez construir um labirinto, cheio de corredores e túneis que se entrecruzavam em diversos níveis e desembocavam em incontáveis encruzilhadas diferentes, porém idênticas aos olhos do infeliz que, uma vez lá dentro, buscasse uma saída nunca encontrada. Ali foi confinado o homem-touro para sempre, onde era alimentado, todos os anos, com a carne de jovens prisioneiros atenienses que eram forçados a entrar naquelas escuras galerias, até que um dia Teseu foi lá e matou a fera, libertando seu povo daquele pesadelo.

Esse mito que fala de uma criatura grotesca escondida nas profundezas da terra, parece apontar para uma parte secreta dentro de nós mesmos, onde um monstro habita as cavernas desconhecidas do nosso inconsciente. Ele existe, sim. Está lá, emergindo de vez em quando para azucrinar nossa vida. Nosso problema é decidir o que fazer com ele. Matá-lo, como fez Teseu com o Minotauro de Creta?

Nem pensar, pois seria matar uma parte de nós mesmos. Ignorá-lo também não é possível, pois seus rugidos freqüentes e suas exigências estão sempre a nos lembrar da sua presença nos recôndidos escaninhos de nossa consciência. Desistir de enfrentá-lo, como fazem alguns, também não vai nos poupar do temível encontro com tal monstro, pois ele está sempre presente, e, a qualquer momento, atormentará nossa vida.

Parece que o melhor a fazer é aceitar sua existência e conviver com ele, tentando atenuar um pouco sua ferocidade, como fez Tia Anastácia, a alegre cozinheira do Sítio do Pica-Pau Amarelo, quando o genial Monteiro Lobato inventou uma aventura na Grécia. Ela se perdeu no labirinto de Creta, mas foi salva pelo sabor inigualável de seus bolinhos famosos. Quando Pedrinho e sua tropa desceram até lá para resgatá-la, encontraram o Minotauro mais gordo e significativamente mais manso. Domesticado pelos bolinhos da Tia Anastácia, já não assustava ninguém.

domingo, 22 de maio de 2011

Pérolas Gregas - A Ânsia de Agradar Todos



Hoje sabemos que o camaleão se alimenta de insetos que captura com sua longa e viscosa língua. Porém, na antiga Grécia, ao vê-lo assim, imóvel e de boca aberta, não imaginavam que ele estivesse caçando, acreditavam apenas que êle estivesse sorvendo o vento, do qual se nutria. Parece absurdo, mas o próprio Plínio, um dos grandes cientistas do seu tempo, dizia da sua admiração por aquela criaturinha que não precisava comer nem beber.

O camaleão também fascinava os cientistas e filósofos do passado, por sua capacidade de mudar rapidamente de cor.

Esse símbolo vivo de inconstância e mutabilidade inspirou Plutarco a falar de Alcebíades, figura famosa e controvertida da democracia ateniense. Ele foi discípulo de Sócrates e teve seu nome imortalizado em diversos diálogos de Platão. Apesar de ser nobre e atraente, também era rico e inteligente, era tal o seu desejo de agradar as pessoas à sua volta que logo tratava de adotar seus modos e costumes no intuito de seduzi-las. Ele mesmo dizia que não suportava que o olhassem com indiferença e que precisava sentir-se amado e admirado por todos. Por isso tornou-se mais hábil em transformar-se do que um camaleão, fato que constituía sua faculdade dominante e o seu maior talento.

No seu curto exílio em Esparta, cativou a todos ao mostrar-se entusiasmado com a dura rotina daquela cidade, banhando-se em água fria e comendo o pão grosseiro com o escuro caldo espartano, como se não tivesse em Atenas banhos quentes e cozinheiros refinados. Na Jônia mostrou-se afeminado, fútil e voluptuoso. Entre os persas tratou de superá-los no luxo e ostentação. Não fazia isso por si mesmo, mas para agradar seus interlocutores, e, assim, os conquistava.
Não foi feliz. Como o camaleão dos antigos, se alimentava do vento das aparências e, por isso mesmo, vivia insatisfeito, sempre trocando de cor para atrair novas presas. Entre os gregos e os persas, Alcebíades desfrutou de estranhos e requintados prazeres, mas nunca experimentou o mais raro e valioso de todos: a sensação de paz que nos invade quando conseguimos nos ver livres da ânsia de agradar a todos, o tempo todo e a qualquer custo, podendo então conviver sem angústia com o fato inevitável de não sermos estimados ou valorizados por pessoas que, no fundo, em nada nos interessam.

sábado, 7 de maio de 2011

Pérolas Gregas - Complexo de Eletra



A psicanálise dá esse nome a um problema emocional que acomete as meninas entre os 5 anos de idade e a puberdade. Consiste numa afeição exagerada pelo pai, que provocaria uma desejo inconsciente de eliminar a mãe para ficar com o pai só para ela. Ao nível do consciente isso traz uma série de conflitos típicos que infernizam a vida da menina e dos familiares.

O nome foi dado por Sigmund Freud que estudou e descreveu aquele trauma pela primeira vez, dando-lhe o nome em alusão à tragédia grega Elektra, uma peça de teatro produzida pelo dramaturgo Sófocles, o maior de todos os tragediógrafos. Aquele autor viveu no 5º século antes de Cristo, no auge da cultura helênica, atribuindo-se ao mesmo a autoria de 123 peças, das quais apenas 7 chegaram intactas aos nossos dias: Ájax, Antígona, Astraquínias, Édipo Rei, Elektra, Filotectes e Édipo em Colono. Das outras conhecemos apenas fragmentos. Outros dramaturgos famosos que conviveram com Sófocles e rivalizaram com ele, foram Eurípedes e Ésquilo.

Elektra era filha primogênita do rei Agamêmnon, que liderou a armada grega na guerra de Tróia. Sua mãe era a rainha Clytemnestra, irmã de Helena, aquela mesma que deu motivo à guerra, quando foi raptada pelo príncipe troiano Paris. Durante a ausência de Agamêmnon naquela guerra, Clytemnestra tornou-se amante de Egisto. Finda a guerra, Agamêmnon retorna à Grécia, sendo recebido por Egisto para um banquete, durante o qual é assassinado pela esposa, que em seguida casa-se com Egisto. Para vingar a morte do pai, Elektra trama a morte da mãe.

Na versão de Sófocles (existe também uma versão de Eurípedes), após a morte de Agamêmnon, Elektra foge com seu irmão Orestes, deixando-o aos cuidados de Estrófio e retorna para ficar no palácio, apesar do ódio que sentia por Clytemnestra e seu amante.
Já adulto, Orestes e seu primo Pílades partem em busca de vingança, porém divulgando antes a falsa notícia de sua própria morte. Ao saber disso, Elektra ficou muito abalada, mas resolveu prosseguir sozinha com aquela vingança. Porém Orestes logo a encontra e esclarece o plano para assassinar Clytemnestra. Executaram o plano e, quando Egisto voltou ao palácio, também foi morto por eles.